Parafraseando Antoine de Saint-Exupéry, dedico
este texto aos adultos, ou às crianças que um dia foram.
Olhos
de Criança
Lembro-me de uma vez o meu pai dizer, enquanto meu irmão e
eu assistíamos a um desenho, que ele não conseguia ver nada naquilo que
assistíamos.
Fiquei durante boa parte de minha infância sem entender
direito o que aquilo significava. Na verdade, entendi literalmente o que ele
dissera, então eu pensava: como ele não vê? Será que a tela da tevê fica em
branco, que os adultos não têm olhos para ver as imagens dos desenhos animados?
Senti-me um super-herói com uma visão além do alcance. Eu, por ser uma criança,
era privilegiado com lentes mágicas, pois podia ver nas coisas a magia que os
adultos não viam. A partir daquele dia, toda vez que meu pai passava perto de
mim, enquanto eu assistia a um desenho, eu pensava: só eu posso ver.
Os anos foram passando e continuei assistindo a desenhos, no
entanto o tempo diante das cores mágicas, que só meus olhos de criança podiam
ver, foi ficando escasso. Fui, também, aos poucos, percebendo em outras
programações algo tão interessante quanto os desenhos. Meu tempo era, portanto,
divido entre desenhos e não-desenhos, entre ser criança e ser adulto: ser adolescente.
Comecei a trabalhar e fiquei sem tempo.
Percebi que não tinha mais as lentes mágicas de antes, pois não
podia mais ver os desenhos. O tempo não é mais o mesmo quando passamos a
controlá-lo nos ponteiros do relógio. O mundo não é mais o mesmo quando estamos
sem as lentes mágicas que nos dão a visão além do alcance. Foi aí que
compreendi o que meu pai queria dizer: o mundo não é eternamente a Terra do
Nunca.
Feliz é a criança que tem poderes para ver desenhos, pois há
muitas que lhes são tomadas as lentes mágicas antes do tempo, e elas ficam de
olhos nus sem poder assistir inocentemente ao mundo mágico da infância.